O Compliance Trabalhista nas Relações de Trabalho

Pilar da prevenção, pliar da detecção, pilar da correção ou remediação.

Na minha recente obra destaco sobre a importância do Compliance Trabalhista nas Relações de Trabalho e sustento que o programa de conformidade  atrai a construção de políticas internas preventivas com o gerenciamento de riscos associados ao descumprimento, mesmo que eventual, das normas previstas no nosso sistema jurídico trabalhista. E proclamo que o Compliance promove uma cultura de adequação às normas legais e regulamentares internas de uma empresa, motivando a adoção de meta empresarial capaz de detectar irregularidades para efetivação de condutas corretivas.

O COMPLIANCE TRABALHISTA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: PILAR DA PREVENÇÃO; PILAR DA DETECÇÃO E PILAR DA CORREÇÃO OU REMEDIAÇÃO

Compliance ou Programa de Conformidade significa agir de acordo com uma regra ou adequar-se para alcançar conformidade com a lei. Independentemente de suas raízes serem internacionais (movimento que se iniciou nos Estados Unidos), o Compliance cresceu no Brasil desde a eclosão da intensificação das investigações em face de práticas de corrupção entre empresas privadas e o setor público, tendo seu ápice com a edição no Brasil da Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, a Lei 12.846/2013[1], que disciplinou a responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica pela prática de atos lesivos à administração pública.

Para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o Compliance seria um conjunto de medidas internas e externas que proporciona prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um dos seus sócios.[2]

PINHEIRO e SILVA definem que o Compliance pode ser conceituado como “o princípio de governança corporativa que tem como objetivo promover a cultura organizacional de ética, transparência e eficiência de gestão, para que todas as ações dos integrantes da empresa estejam em conformidade com a legislação, controles internos e externos, valores e princípios, além das demais regulamentações do seu seguimento.”[3]

A melhor forma de compreender a governança corporativa é sob o olhar do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), fundado em 1995 com o intuito de sedimentar que as boas práticas “convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.”[4]

E no mundo corporativo consiste o Compliance em um conjunto de medidas que garantem o cumprimento das normas externas e internas pelos colaboradores, independentemente do nível hierárquico, abrangendo, inclusive, os prestadores de serviços e terceirizados.

Naturalmente o Compliance Trabalhista atrai a construção de políticas internas preventivas com o gerenciamento de riscos associados ao descumprimento, mesmo que eventual, das normas previstas no nosso sistema jurídico trabalhista.

Assim sendo, as regras do Compliance devem governar o comportamento das pessoas de forma positiva e pragmática para beneficiar todo o ambiente corporativo.

O Compliance está sendo adotado no meio corporativo pelos seguintes instrumentos de motivação:

(1) porque é essencialmente positivo atender à legislação vigente sem se limitar ao sistema normativo;

(2) porque facilita a elaboração de regras eficazes e flexíveis para a implantação de ferramentas de proteção interna;

(3) porque é extremamente eficaz a adoção de regras internas que protejam a integridade da empresa perante seus trabalhadores, fornecedores, terceirizados, parceiros comerciais, clientes e sociedade;

(4) porque o bom nome da empresa, e consequentemente sua marca, tem valor imensurável para a sua permanência no mercado e também para a sua sustentabilidade;

(5) porque é positivo gerenciar os riscos em todas as áreas da empresa para minimizar e/ou erradicar os passivos respectivos;

(6) porque uniformiza procedimentos internos em todas as áreas da empresa para um melhor gerenciamento organizacional, pessoal e financeiro da empresa;

(7) porque possibilita uma maior credibilidade interna e externa da empresa e oportuniza novas chances de linhas de crédito e preferências em licitações e contratos administrativos.

Diante disso, oportuno proclamar que o Compliance promove uma cultura de adequação às normas legais e regulamentares internas de uma empresa, motivando a adoção de meta empresarial capaz de detectar irregularidades para efetivação de condutas corretivas.

Na implantação do programa do Compliance Trabalhista há que se seguir uma estratégia de gestão que contemple o cumprimento das normas legais e regulamentares internas com os princípios que norteiam o sistema normativo trabalhista, tais como: princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade e da não discriminação; somados aos princípios específicos trabalhistas como o princípio tutelar, princípio da norma mais favorável ao trabalhador, princípio da condição mais benéfica ao trabalhador, princípio da irrenunciabilidade, princípio da continuidade da relação de emprego, princípio da primazia da realidade, além de outros princípios gerais do direito, como da boa-fé e a do abuso de direito.

Compreendem-se no rol de normas trabalhistas todas as fontes formais heterônomas e autônomas do Direito do Trabalho, destacando-se: Constituição Federal; Consolidação das Leis do Trabalho; Leis especiais; Normas de Segurança e Medicina do Trabalho, Convenções Coletivas de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho, entre outras.

A cultura do Compliance Trabalhista exige uma consciência positiva de respeito ao cumprimento não somente das normas estatais, mas também das advindas da negociação coletiva, das regulamentares do Ministério do Trabalho (atualmente incorporado ao Ministério da Economia), dos princípios gerais do direito e do direito trabalhista, e principalmente das normas internas da empresa estabelecidas pelo manto protetor do artigo 2º da CLT.

Na prática, o Compliance Trabalhista deve estar estruturado sob três pilares: (1) prevenção; (2) detecção; (3) correção ou remediação. O pilar da prevenção é um método de mapeamento das rotinas para evitar passivos trabalhistas, sendo seu foco principal o cumprimento da legislação como um todo. Já o pilar da detecção se estrutura sobre um canal de denúncias, totalmente confidencial, para possibilitar aos empregados um efetivo meio de exposição de ilícitos trabalhistas. E caberá ao pilar da remediação, sob o manto de averiguação do Comitê de Compliance, avaliar as irregularidades e aplicar com imparcialidade as sanções disciplinares pertinentes.

Assim, é imprescindível um mapeamento prévio do perfil da empresa e da sua estrutura organizacional para elaborar o que se denomina de Programa de Compliance Trabalhista.

E para tanto é necessário um plano de ação que atenda aos seguintes requisitos:

– consolidação de rotinas trabalhistas modernas nas fases pré-admissional, admissional, desenvolvimento contratual e fase demissional;

– mapeamento de todos os trabalhadores envolvidos na organização da empresa, aqui incluídos os terceirizados e prestadores de serviços;

– consolidação do Código de Ética e de conduta com o Programa do Compliance Trabalhista;

– atendimento da legislação trabalhista com construção, a partir dela, de conexões de flexibilização nas relações de trabalho;

– revisão e modernização das normas internas da empresa;

– adoção de um canal de comunicação interna para a detecção de denúncias de desvios de conduta;

– implantação de um Comitê de Ética e disciplina para a aplicação de medidas pedagógicas e disciplinares;

– planejamento estratégico de treinamentos constantes aos empregados e gestores.

Destaca-se que empregador possui o poder diretivo de organizar, controlar, disciplinar e regulamentar as relações de trabalho, todos implicitamente previstos no artigo 2o da Consolidação das Leis do Trabalho.

Significa dizer que todas as normas internas e métodos de gestão adotados pelo empregador serão ferramentas eficientes para os objetivos buscados pelo Programa do Compliance Trabalhistaquais sejam a implantação de uma nova cultura em conformidade com todo o universo de normas legais e internas da empresa e, ainda, a erradicação dos conflitos de trabalho.

CARLOTO defende que o poder regulamentar do empregador compreende um conjunto de prerrogativas para a elaboração e adoção de regras gerais com o intuito de prevenir práticas ilícitas dentro da empresa. Consequentemente, referidas cláusulas se incorporariam ao contrato de trabalho como obrigações a serem cumpridas pelos empregados por força do poder diretivo do empregador.[5]

Consequentemente, o regulamento da empresa e as normas complementares a este são instrumentos de delimitação das regras de conduta do trabalhador frente à organização empresarial e integram as obrigações contratuais contraídas desde o momento da formalização do vínculo empregatício.

Ao lado do regulamento interno empresarial, e sob o mesmo fundamento e efeito sobre os contratos de trabalho, ainda temos as seguintes ferramentas específicas do Compliance Trabalhista: programas de treinamentos e palestras, consultoria trabalhista contínua, código de ética e conduta ou disciplina, canal de denúncias, documentos trabalhistas de cumprimento da legislação, relatórios preventivos de avaliação e desempenho dos empregados, relatórios de métodos corretivos internos na busca pela aplicação da legislação e aplicação de sanções pedagógicas e disciplinares, entre outros.

Todas visam à redução da judicialização bem como atraem o êxito em demandas judiciais, já que constituem farta prova documental de que a empresa está em conformidade com métodos preventivos e corretivos de adequação das normas e princípios, seja em caráter disciplinar ou pedagógico, inclusive.

Além dessas ferramentas, cito a importância de a empresa construir um Programa de Integridade à luz do Decreto 8.420/2015, que regulamenta a Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe no seu capítulo IV, artigo 41, ser esse “[…] um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”[6]

Seria um reforço para a eficiência corporativa demonstrar o comprometimento da alta administração da empresa com os padrões éticos almejados pelo Compliance Trabalhista para a erradicação de ilícitos nas relações de trabalho, além do cumprimento fiel do ordenamento jurídico específico.

Por analogia, cito para fins de parâmetro de elaboração de um Programa de Integridade Trabalhista o que prevê o artigo 42 do Decreto  8.420/2015:

Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;

III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;

V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;

VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;

VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;[7]

VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;

XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

XIII – diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013 ; e

XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.

De posse desses elementos, torna-se possível utilizar alguns dos parâmetros previstos na supramencionada norma, tais como o comprometimento da alta direção da empresa, elaboração de padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, treinamentos periódicos, registros trabalhistas e controles internos para criar um Programa de Integridade Trabalhista com a cominação de sanções para tornar efetivas todas as obrigações ali previstas, assim como os canais de denúncias e demais normas internas da empresa.

Torna-se indispensável a independência, uniformidade e transparência do Programa do Compliance Trabalhista para dar credibilidade perante os colaboradores e terceiros e com isso evitar a desconfiança e insegurança do modelo adotado.

Por fim, as empresas no geral devem ter a consciência que um programa de Compliance somente será eficiente com a aplicação de uma metodologia contínua dos pilares que compõem o Compliance, sob pena de surgirem desconformidades nas relações laborais e com isso a perspectiva de passivo trabalhista. Até porque os resultados almejados com a Compliance são:

  • Maior proteção da organização empresarial perante as práticas trabalhistas internas;
  • Estabelecimento de uma nova cultura organizacional de cumprimento da lei, dos regulamentos internos e diretrizes da empresa;
  • Novo método de gerenciamento de riscos nas relações de trabalho;
  • Maior controle dos passivos trabalhistas;
  • Uniformização dos procedimentos internos do setor de recursos humanos;
  • Maior gerenciamento organizacional, pessoal e financeiro da parte trabalhista da empresa;
  • Maior credibilidade da empresa perante os liderados;
  • Maior sustentabilidade da empresa perante terceiros;
  • Uniformização de políticas disciplinares internas;
  • Valorização do ser humano.
[1] Brasil. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/112846.htm

[2] Guia para programa de Compliance. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-infromação/publicacoes-institucionais/guias_do_cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf>. Acesso em: 20.07.2020.

[3] I. PINHEIRO, Iuri. II. SILVA, Fabricio Lima. Manual do Compliance trabalhista: teoria e prática. Bahia: Editora Jus PODIVM, 2020. p. 10.

[4] CF. IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2015, 5ª Edição. Código das melhores práticas de governança corporativa. Disponível em: <htpp://www.ibgc.org.br/userfiles/files/Publicacoes/publicacao-IBGC. Acesso em 16 de nov.2020.

[5] CARLOTO, Selma. Compliance trabalhista. p. 52

[6] BRASIL. Decreto n. 8420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, cit.

[7] BRASIL. Decreto n. 8420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, cit.

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